Volta e meia me faço esse questionamento. E volta e meia me fazem essa pergunta meus pacientes, observadores e pessoas próximas a mim sobre meu trabalho.
Em alguns momentos eu não respondo, em outros eu respondo diretamente alguma resposta pronta, envernizada e marqueteira. Mas todas as vezes com muita verdade, aquela do momento. No geral respondo algo do tipo: quero trabalhar para promover saúde psíquica de forma autêntica.
Mas há momentos, ricos momentos, em que eu fico com a pergunta por um tempo, gestando. E dessa vez, pari uma resposta em verso:
Que quero eu da clínica? / Debruçar-me sobre o humano / Na sua humanidade alheia e travessa / Aquela que não se dá conta da própria / Humanidade // Quero ser testemunha e parteira de novidades / É legal isso! / Um que muda / Muda um mundo inteiro das relações // Não quero falar de saúde ou doença se não for para produzir do desejo / O desejo // Não quero (for)matar nada / Não quero excluir nada, nem incluir nada / Que já não esteja lá no Encontro ou no Acontecimento / Afinal, minha produção é coletiva e atravessada por atravessamentos // E na guerra das flechas por likes e leads/ Prefiro afirmar e sobreviver que morrer por alguma causa, grife, escola ou abordagem / Desejo aportar mais que estacionar na vida.
E quando falo nesse modo, saio da tradicional estrutura de tópicos, saio do resumo do conteúdo para a produção e provocação de sentidos múltiplos sobre a experiência de clinicar para passar a klinicar. Com K.
Na Clínica, vejo umas psicologias enigmáticas, de difícil acesso aos interessados e esses respondem com desinteresse. Vejo especialistas terem técnica para “curar” doenças, tratar sintomas e sofrimentos como disfunção, como problemas “internos” ou “externos” que precisam de soluções. E vejo gente buscando exatamente isso. E outras gentes serem fechadas em rótulos, fórmulas, identidades e se entristecerem nesse processo, perderem a capacidade de rir de si mesmo e de lutar por si mesmo diante do rótulo e da falta de autonomia e emancipação.
Com K, a clínica se expande e se transforma numa busca pela linguagem de senso comum, no acesso imediato ao que interessa e busca, com isso, provocar interesse interessado, não interesseiro e que quer terceirizar a responsabilidade de si mesmo para um outre. A técnica vai funcionar como ferramenta que tem múltiplos usos para promover saúde e reflexão sobre nossa parte na construção do que é doença. E a ideia não é culpabilizar ninguém, mas identificando autoria e cumplicidade identificamos também onde podemos nós mesmos intervir para recriar o que acontece com a gente. Não se trata de focar em diagnóstico-problema, mas no funcionamento e nas resistências diante do que acontece apesar de nós. Então, o foco vai mais além de minimizar e achar soluções para erros, faltas e problemas. O foco passa a ser mapear isso tudo e tendo essas referências, criar estratégias para encontrar criatividade e alianças que nos ajudem a recriar o cenário onde estamos.
Quero promover interesse no saber sobre a experiência e dessa maneira, algumas questões precisam ser questionadas, desconstruídas, decolonizadas e refraseadas para fazerem sentido pra quem vive em primeira pessoa. E isso acontece quando pacientes pacientemente deitam no divã, ou falam pra câmera, ou olham pra tela. E essa experiência muitas vezes é a primeira da vida dessas pessoas. E essa experiência é mágica, íntima. Extremamente transformadora e desconcertante. E fazer isso acompanhado é menos difícil que sozinho.
E isso não dá pra ser feito para o paciente, senão com ele e acompanhando ele no seu próprio processo, me transformando com ele nesse processo.
Isso tem custo, isso leva tempo e tem consequência. Sai do “mainstream”?, nem sempre, viu. No final das contas a gente sai mais capaz de enfrentar a realidade. Pelo menos é isso que eu tenho visto na minha prática cotidiana.
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